Organização Mundial da Saúde decreta emergência sanitária global devido à varíola dos macacos; quais os sintoma da doença? Tem cura? Como é a transmissão?
A OMS (Organização Mundial da Saúde) decretou neste sábado (23) que a varíola dos macacos é uma emergência sanitária global. A decisão foi tomada depois de semanas de uma indefinição por parte dos especialistas diante da expansão da doença e do potencial risco de contaminação.
Com mais de 600 casos no Brasil, a varíola dos macacos tem causado alerta na comunidade científica e gerado perguntas entre a população.
Quais os sintomas da doença? Como é a transmissão? Ela pode matar? A seguir, dois infectologistas tiram dúvidas sobre o assunto que tem gerado preocupação em médicos e cientistas pelo mundo com o surto de casos fora da África, algo raro para a doença que costumava se limitar ao continente.
A varíola dos macacos é uma zoonose viral, isto é, uma doença infecciosa que passa de animais para humanos, causada pelo vírus de mesmo nome (varíola dos macacos). Este vírus é membro da família de Orthopoxvirus, a mesma do vírus da varíola, doença já erradicada entre os seres humanos.
A varíola dos macacos foi identificada pela primeira vez em 1958 entre macacos de laboratório. O primeiro caso em humanos foi notificado em 1970, na República Democrática do Congo, e desde então a doença tem sido detectada em países nas regiões central e ocidental da África, sendo considerada endêmica lá, ou seja, com incidência relativamente constante ao longo dos anos.
Somente em 2003 a doença foi registrada fora daquele continente —naquele ano, ocorreu um surto nos Estados Unidos entre pessoas que tinham como animal de estimação cão-da-pradaria (um tipo de roedor) e que haviam tido contato próximo com um grupo de animais importados da África. Não se sabe se os macacos são a espécie onde este vírus surgiu precisamente.
Uma investigação epidemiológica está em andamento para tentar explicar o motivo do surgimento dos surtos atuais. Existem algumas hipóteses, entre elas:
• Uma mutação viral de que promove uma transmissão entre pessoas mais eficiente;
• A diminuição na proteção gerada pela vacina contra varíola desde que os programas de vacinação foram suspensos há cerca de 40 anos;
• Um nicho populacional novo propício para a disseminação.
A doença começa com febre, fadiga, dor de cabeça, dores musculares, ou seja, sintomas inespecíficos e semelhantes a um resfriado ou gripe. Em geral, de a 1 a 5 dias após o início da febre, aparecem as lesões cutâneas (na pele), que são chamadas de exantema ou rash cutâneo (manchas vermelhas). Essas lesões aparecem inicialmente na face, espalhando para outras partes do corpo.
Elas vêm acompanhadas de prurido (coceira) e aumento dos gânglios cervicais, inguinais e uma erupção formada por pápulas (calombos), que mudam e evoluem para diferentes estágios: vesículas, pústulas, úlcera, lesão madura com casca e lesão sem casca com pele, completando o processo de cicatrização. Vale ressaltar que uma pessoa é contagiosa até que todas as cascas caiam —as casquinhas contêm material viral infeccioso— e que a pele esteja completamente cicatrizada.
Os casos atuais têm apresentado alguns elementos atípicos, como a ausência dos sintomas de mal-estar iniciando o quadro clínico, e também a manifestação do exantema que começa na área genital e perianal e pode não se espalhar para outras partes do corpo.
A varíola dos macacos não se espalha facilmente entre as pessoas —a proximidade é fator necessário para o contágio. Sendo assim, a doença ocorre quando o indivíduo tem contato muito próximo e direto com um animal infectado (acredita-se que os roedores sejam o principal reservatório animal para os humanos) ou com outros indivíduos infectados por meio das secreções das lesões de pele e mucosas ou gotículas do sistema respiratório.
A transmissão pode ocorrer também pelo contato com objetos contaminados com fluídos das lesões do paciente infectado —isso inclui contato a pele ou material que teve contato com a pele, por exemplo as toalhas ou lençóis usados por alguém doente.
O tempo de incubação —intervalo entre o contato com uma pessoa infectada e o aparecimento do primeiro sintoma— é entre 5 e 21 dias.
O diagnóstico clínico, baseado em sinais, sintomas e história, pode ser facilmente confundido com outras condições, como catapora ou molusco contagioso.
O diagnóstico definitivo requer teste de laboratório específico, o PCR que detecta o vírus nas lesões de pele, mas essa ferramenta não está disponível em laboratórios clínicos, somente em alguns laboratórios de referência fora do Brasil, e, ainda assim, em quantidade limitada.
A varíola dos macacos tende a ser leve e, geralmente, os pacientes se recuperam em algumas semanas sem tratamento específico, apenas com repouso, muita hidratação oral, medicações para diminuir o prurido e controle de sintomas como febre ou dor.
Existem medicamentos antivirais, como o tecovirimat e o cidofovir, que podem ser usados em pessoas sob risco de complicações, mas que não são facilmente disponíveis comercialmente.
Sim, como na maioria das viroses agudas, o próprio sistema imunológico é capaz de eliminar o vírus e o paciente ficar completamente curado, sem intervenção alguma. No entanto, é essencial controlar e quebrar as cadeias de transmissão por meio da identificação de casos, com orientação de isolamento, a fim de se reduzir o número total de infectados.
Sim, estudos apontam que a vacinação prévia contra varíola pode ser eficaz contra a varíola de macacos em até 85% —isso ocorre porque ambos os vírus pertencem à mesma família e, portanto, existe um grau de proteção cruzada devido à homologia genética entre eles. Entretanto, como a varíola humana foi erradicada há mais de 40 anos, atualmente não há vacinas disponíveis para o público em geral.
As duas doenças têm sintomas semelhantes, porém a varíola dos macacos parece ser mais leve e menos contagiosa do que a versão humana. A varíola humana foi um flagelo de grandes proporções, com mortalidade em 30% dos casos de infecção —ela foi erradicada em 1980.
Pode, mas o risco é baixo. Existem dois grupos distintos do vírus da varíola de macacos circulando no mundo, agrupados com base em suas características genéticas: um predominantemente em países da África Central —com taxa de fatalidade de cerca de 10%—, e outro circulando na África Ocidental, com taxa bem menor, de 1%. A vigilância genômica ainda incipiente mostra que o vírus em circulação fora do continente africano é o menos letal.
Complicações podem ocorrer, principalmente infecções bacterianas secundárias da pele ou dos pulmões, que podem evoluir para sepse e morte ou disseminação do vírus para o sistema nervoso central, gerando um quadro de inflamação cerebral grave chamado encefalite, que pode ter sequelas sérias ou levar ao óbito.
Além disso, como toda doença viral aguda, a depender do estado imunológico do paciente e das condições e acesso à assistência médica adequada, alguns casos podem levar à morte.
Fonte: UOL / Ana Luíza Gibertoni Cruz, médica infectologista da UK Health Security Agency e pesquisadora no Departamento de Saúde Populacional da Universidade de Oxford, na Inglaterra; José David Urbaez Brito, médico infectologista, presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia.